Uma Pandemia de Produtividade
- giovannadelcarlo
- 2 de nov. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 29 de jul. de 2022
Se há uns três anos, alguém nos dissesse que um novo vírus mortal se espalharia pela maioria dos países, causaria a morte de milhões de pessoas, sendo comparado até com a causadora da Peste Bubônica, e que mudaria a vida de todos, provavelmente, nenhum de nós acreditaria.
Só que aconteceu. Centros culturais conhecidos mundialmente e frequentados por milhares de indivíduos todos os dias, passaram semanas e semanas fechados; as gravações de filmes, séries e novelas foram interrompidas; as Olimpíadas adiadas; shows e eventos cancelados, e grande parte da população confinada em suas casas.
Muitas pessoas passaram por graves situações nesse período. Alguns enfrentaram crises no casamento pela convivência ininterrupta e forçada; outros viram seus negócios e suas economias ruírem pelo colapso financeiro mundial; houve ainda aqueles que perderam parentes e amigos de forma abrupta sem a possibilidade de se despedirem, e outros com problemas mais brandos, talvez, como uma luta intensa e diária com a produtividade.
Para uma grande parcela de indivíduos, em um mundo dinâmico (às vezes até demais), em que o futuro tem que ser para ontem, "estar em casa" pode significar ócio completo, ou pelo menos poderia. É o famoso "não fazer nada". Al iás, que expressão horrível e totalmente contraditória. Se uma pessoa não faz nada, significa que ela está fazendo algo. Duas negações na mesma frase resultam em uma afirmação. Mas a questão vai além desta simples interpretação.
Os últimos cinco anos do século XXI vieram mostrar conceitos inovadores, mas um tanto questionáveis. As redes sociais bombardeiam informações a cada milissegundo, com mensagens do tipo: "Se quiser saber como ser milionário em um mês, clique aqui!". E aqueles perfis "motivadores" ? (As aspas foram propositais). Por exemplo: "Oi pessoal, já tomei café da manhã, fiz meu treino matinal, meditei, li um livro, plantei uma árvore, trabalhei, levei as crianças para a aula de judô e ainda são sete horas da manhã". OI? Será que isso tudo realmente aconteceu? A clássica é a: "Estude enquanto eles dormem". QUE? Só esquecem de avisar que talvez em poucos meses você esteja em meio a uma crise depressiva, ansiosa ou até em um processo de Burnout.
Não podemos esquecer dos algoritmos, que parecem rastrear até nossa respiração. Experimente procurar algo aleatório no Google com certa frequência, como "papinha de neném", e nos próximos dias você estará decidida (o) a ser mãe ou pai, ou, pelo menos, a pensar sobre a maternidade ou a paternidade só pelos anúncios que vão aparecer em TODAS as suas páginas a partir dali. Se você pegar seu celular a cada segundo, como em um experimento, é bem provável que tenha uma notificação nova, nem que seja da operadora te oferecendo um novo plano ou então um golpe daqueles: "Parabéns, você acabou de ganhar 1 milhão de reais! Nos passe seu nome completo, RG, CPF e telefone para que possamos entrar em contato!".
O que dizer dos estudantes do ensino médio? Eles PRECISAM (questão de vida ou morte) saber no que são bons, o que gostam, qual profissão vão seguir e como serão suas respectivas carreiras nas próximas décadas. O detalhe é que são, maioritariamente, adolescentes com menos de 18 anos. Qual ser humano tem maturidade suficiente para decidir grande parte de sua vida com essa idade? Nessa corrida contra o tempo, e na ânsia do futuro, esses jovens são submetidos a cursinhos e mais cursinhos, aulões de véspera, simulados, provas, conteúdos e mais conteúdos de todos os tipos, e no final do ano, no auge do cansaço, um vestibular com 180 questões e uma redação que vai definir suas vidas para sempre. (Spoiler: não, não vai).
Quando foi que perdemos a capacidade de parar totalmente, apreciar o silêncio e contemplar? Possivelmente quando essas ações se intensificaram. Possivelmente, quando achamos que dissimular é o caminho do sucesso. A vida é só isso mesmo? Nascer, crescer, estudar, trabalhar, pagar contas e morrer? É óbvio que não é satisfatório expor suas fraquezas e dificuldades na internet, como uma demissão, o término de um relacionamento, o desfazimento de uma amizade, ou a morte de um ente querido, mas o que estamos expondo dá a falsa sensação de um mundo perfeito. Os problemas existiram, existem e existirão, e fingir o contrário não vai fazê-los desaparecer repentinamente, tampouco solucioná-los. Encobrir as situações ruins com tarefas e mais tarefas sem um propósito, apenas por fazer, apenas para se mostrar produtivo, não vai transformar o que precisa ser transformado.
E foi nesse cenário frenético, sem tempo para pausas, porque tudo anda às mil maravilhas (ou não), que a pandemia de COVID-19 se instalou e nos forçou a fazer algo até então impensado, na contramão da tendência moderna: desacelerar. E como isso é difícil em meio às incertezas de uma crise sanitária.
Muitas empresas se adaptaram ao trabalho remoto, pelo menos nas dinâmicas laborais que isto era possível. As escolas e universidades se viram na necessidade de oferecer uma plataforma de estudos à distância (para o desespero de alguns estudantes), e os momentos de lazer se resumiram a videochamadas. Tudo isso para que o mundo não parasse. Entretanto, se o momento exigia esse hiato, por que lutar contra ele? E não, isso não é uma sugestão para ficar deitado no sofá o dia todo rolando a tela do celular.
Há quem critique esses mecanismos, há quem tenha ficado incomodado pela ausência de socialização pessoal e há, até, quem tenha amado essas dinâmicas. Uma coisa, porém, não se pode negar, essa nova realidade transformou a nossa forma de ver e viver a vida.
Trabalhar em casa pode ser difícil para pais e mães com crianças, seja pelo barulho, seja pela necessidade frequente de um adulto que elas demandam. Por outro lado, esses pais terão a oportunidade de presenciar momentos importantes do crescimento de seus pequenos se o escritório for ao lado da sala. Talvez, um casal que se via pouco antes de tudo isso, pois um chegava tarde e o outro saía bem cedo, tenha passado, então, a tomar café da manhã juntos, algo inimaginável antes. Talvez, uma pessoa que more sozinha quisesse ter mais tempo para organizar seu lar ou praticar um hobby, mas a distância até o trabalho demandava mais tempo que o imaginado. Até a natureza deu seu suspiro de relaxamento com rios mais límpidos e peixes em águas que há muito tempo não se via.
É um verdadeiro processo de educação (ou reeducação). É exercitar a paciência, tão escassa nas relações modernas, não se desesperar e ter esperança no futuro. Será que precisamos ter tantas atividades seguidas e corridas em único dia? Será que precisamos ficar horas compenetrados em um mesmo projeto altamente estressante? Isso não pode ser fracionado ao longo da semana, ou, espaçado ao longo do dia, intercalado com atividades prazerosas? Porque simular uma agenda cheia, e induzir as pessoas a fazerem o mesmo, se não é o que se faz? Será que na prática essa agenda funciona? Será que ela é humanamente possível e saudável?
Os grandes estudiosos, cientistas e pensadores da história não tiveram uma brilhante ideia após um dia estressante, vivido no automático. Quantas descobertas ocorreram por acaso? Os momentos de contemplação são importantes, são necessários. Ainda que não se descubra um novo instrumento ou uma nova lei da Física, aquele momento vai ser útil para acalmar uma aflição, para trazer a razão necessária na tomada de uma decisão, para mudar o ponto de vista sobre uma determinada questão, ou, apenas, para trazer um conforto ao coração quando se está em situações que fogem do controle. Com sorte, aquele momento de ócio e reflexão, por menor que seja, proporcionará uma grande lição de autoconhecimento.
Entender que uma rotina produtiva pode, facilmente, se tornar improdutiva pelo excesso de tarefas contínuas, não é se entregar por completo ao comodismo. Não se trata de comodidade, embora esta seja uma forte tendência dos seres humanos. Fazer uma crítica sobre essa cobrança excessiva e exaustiva de produtividade é compreender a importância de se praticar o equilíbrio e não apenas falar sobre ele.
É descansar e proporcionar um bom repouso ao seu corpo após um longo dia de trabalho. É não se forçar, habitualmente, a trabalhar além do horário estipulado ou predefinido, com o intuito de finalizar as atividades de um mês, em um único dia. É fazer algo prazeroso, como curtir um filme, ou, passear com amigos, após fazer uma pesada faxina. Talvez soe como recompensa, e talvez realmente seja, mas acima de tudo é dar ao seu corpo e à sua mente uma pausa, necessária para que eles se restabeleçam e possam se dedicar, dentro das suas melhores performances, ao próximo desafio.
A finitude e a brevidade dessa existência não significam pular etapas e processos, ou correr com a evolução pessoal, significa colocar em prática sua melhor versão e aproveitar as oportunidades com os recursos que se tem hoje, com respeito, sempre, aos próprios limites.
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