O que tornou muitas relações amorosas doentias?
- giovannadelcarlo
- 11 de jan. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de ago. de 2024
Lidar com o ser humano é uma tarefa árdua. Relacionar-se amorosamente com um ser humano é literalmente um ato de coragem. Nos clichês populares o amor é lindo, o amor é cego, o amor é quase que inabalável. Mas será que ele pode se tornar doentio? Creio que sim. Infelizmente sim.
Na verdade, isso acontece quando ele se torna ou se revela uma obsessão. Muito me intriga o sentimento extremo de posse de uma pessoa para com outra, especialmente de homens para mulheres, ao ponto de tornar-se uma perseguição.
Já conversei com pessoas mais velhas, de gerações bem diferentes da minha para saber se isso ocorria anos atrás. Por mais que não houvesse ampla divulgação na mídia desse processo, como ocorre hoje, a história poderia ser veiculada nas comunidades, nos ambientes de trabalho, entre amigos e vizinhos. Mas, todos são unânimes em dizer que não viam o que se vê na atualidade em termos de fixação.
O que aconteceu com os relacionamentos, em especial os modernos?
Não tenho formação para entender a mente humana, sou apenas uma curiosa e bisbilhoteira que gosta de filosofar, então sempre me pergunto: Seriam a internet e suas ferramentas de localização em tempo real? Seriam os aplicativos de mensagens instantâneas que conseguem expor a rotina de uma pessoa pela simples expressão "visto por último...?” Seria a volubilidade dos relacionamentos amorosos? Seria apenas uma patologia de ordem psicológica? Seria uma combinação desses fatores? Ou uma coisa derivou da outra?
Já parou para analisar a quantidade de informações pessoais que a gente despeja na internet todos os dias? Local de trabalho, profissão, cidade onde moramos, estado civil, idade, preferências de TV...isso quando não dizemos explicitamente onde estamos em tempo real. Em menos de cinco minutos nas suas redes, talvez seja possível extrair informações importantes sobre o seu dia a dia.
Fazer novas amizades pode ser fácil. Expandir seu networking também. Difícil mesmo é conhecer verdadeiramente as pessoas. Mas lá estamos nós, confidenciando segredos a desconhecidos, compartilhando senhas sem perceber e comprando produtos ou serviços sem o mínimo de garantia.
Cadê o nosso bom senso? Cadê o sexto sentido apitando? Cadê aquela vozinha da cautela dizendo "Vamos com calma, você está entregando dados demais sobre si de bandeja."
A gente anda tão aficionado nesse mundo mágico (mas que pode ser sombrio) chamado internet que perdemos o mínimo de razão e cautela ao usá-la. Não estou dizendo para você desconfiar de tudo e de todos, estou dizendo para você não duvidar da sua intuição e não presumir a bondade de uma pessoa por ela ter te tratado bem meia dúzia de vezes.
E o WhatsApp? Telegram? Sei que estes são modernos, na minha época (gente, calma, eu só tenho 26 anos anos, embora possa não parecer) era o MSN ou ICQ e que também tinham esses mecanismos de saber em tempo real quem estava online ou não; quando entrou ou deixou de entrar. Mas não era tão fácil como hoje. Você precisava de um computador, de uma conta Hotmail (que inclusive normalmente vinha com apelidos que hoje nos envergonhamos) e de uma boa conexão com a internet muitas vezes. Quando a pessoa aparecia lá offline, era tipo e-mail, você mandava a mensagem e esperava ela fazer login novamente para ver e te responder, (ou não responder).
Mas a "cereja do bolo" é que não era possível saber se a pessoa realmente leu o seu recado. Ficávamos com o benefício da dúvida. Esses aplicativos de mensagens instantâneas de hoje vão ainda mais fundo na intimidade da rotina de um ser humano. Fundo demais eu diria. Além de serem práticos e cômodos, estão nos celulares que praticamente fazem parte de nossos corpos. Você acorda pega o celular, você almoça pega o celular, até quando você vai ao banheiro leva o celular.
Outro dia, vi uma reportagem que falava sobre isso. Se pararmos para pensar, dá para deduzir de forma consideravelmente assertiva a rotina de uma pessoa só pelo status dela do WhatsApp, mesmo daqueles que desativam o famoso "visto por último”. Por um cálculo matemático das horas em que permanece inativa ou que responde as mensagens é possível, por exemplo, presumir a hora que uma pessoa dorme, o turno que estuda ou trabalha entre outras coisas.
A situação tem escalonado tanto que, não sei se você já percebeu, mas a gente manda uma mensagem para alguém nesses aplicativos e ficamos furiosos (ainda que não externalizemos e ainda que de forma inconsciente) quando a resposta não vem de imediato. Como se a pessoa tivesse que parar tudo para responder você, oh, lírio do campo! E quando alguém visualiza e não responde? Nos sentimos os mais injustiçados do Universo. Como o outro ousa me ignorar?
Parece que a gente se esquece por milésimos de segundo que as pessoas têm uma vida fora do virtual. E que a maior parte das tarefas dela podem (e devem) não envolver a internet. Caso você não saiba ou não se lembre, os seres humanos namoram, passeiam, passam tempo com amigos e família, cuidam de si e trabalham (e podem trabalhar no meio digital, isso não significa estar disponível para jogar conversa fora só por estar online no WhatsApp). Às vezes, aquele alguém só quer ficar sozinho, curtir a própria companhia, relaxar, assistir a um filme ou ler um livro. Ou talvez ele só não está afim de conversar.
Não sejamos hipócritas, vai dizer que você nunca fez de conta que não viu uma ligação para não atendê-la? A diferença é que não tinha ninguém na sua janela espionando se você estava mesmo ocupado, quer dizer, espero que não. Em uma analogia bem simples e medíocre é basicamente isso. A gente especulava o motivo de não ser atendido? Especulávamos. Hoje, se alguém não nos responde naquele mesmo minuto, nos sentimos no direito não só de especular, mas de investigar o porquê. É tão difícil aceitar que o outro não quer ou não pode falar com você ou te dar atenção naquele momento? É tão difícil esperar? Realmente temos levado muito a sério esse lance de mensagens instantâneas.
Vejo que essa maratona velada nos leva a relações cada vez mais efêmeras. A gente tem perdido o hábito de dialogar, de exercitar uma comunicação saudável e compreensiva, de esperar o nosso momento e o momento das pessoas. O outro precisa concordar comigo em gênero, número e grau, para que possamos "estar do mesmo lado nas trincheiras".
Em pleno século XXI, pregamos diversidade, mas o próximo tem que concordar comigo, tem que pensar como eu, tem que ser igual a mim, tem que fazer o que eu quero que faça, na hora que eu quero que faça, tem que ser minha alma gêmea.
Vejo esse tipo de pensamento e comportamento contaminando as relações amorosas de forma preocupante e perigosa, mas muitas vezes, até sem perceber, romantizamos. Desde quando é fofo um namorado mandar milhares de mensagens por dia, a maioria com cobranças (ainda que disfarçadas) do tipo: Onde está? Com quem está? Por que não avisou? Que horas vai voltar? Por que não atendeu de primeira? Está falando com quem? Sobre o que está falando?
Sinto te dizer que isso não é cuidado. Isso não é preocupação em excesso. Isso é controle. Ative seu sinal de alerta e saia desse relacionamento ou potencial relacionamento o quanto antes.
Às vezes, por ingenuidade ou carência, nós nos encantamos com pretensos parceiros ou parceiras, que apesar de extremamente sedutores(as) e encantadores(as), sempre deixam escapar indícios de dissimulação. Pessoas assim, narcisistas ou com características narcisísticas, são hábeis e criteriosas. Criam uma rede de envolvimento psicológico e emocional em torno de suas vítimas ao ponto de elas se questionarem o próprio potencial. Forjam, e muito bem, virtudes que não possuem mas que sonham ou acreditam ter.
Podem ser ótimos filhos e colegas de trabalho. No público e notório são as pessoas que você gostaria de ter uma amizade, de se relacionar ou chamar para um café. No privado estão, a todo momento, prontos para menosprezar seus parceiros ou parceiras, se colocando em um pedestal de bondade e caráter ímpares, pois se sentem bem ao fazer isso. Sabem exatamente o ardil necessário para saírem das situações desastrosas que eles mesmos criam, inclusive, frequentemente, saem como vítimas, embora estejam longe de ser as vítimas.
Em um relacionamento, seja ele qual for, a gente releva muita coisa, mesmo porque as vontades precisam ser conciliadas para se ter uma convivência harmônica, mas é nesse pensamento que, às vezes, a gente se vê relevando tudo, ou pior, fechando os olhos para tudo aquilo que se sabe não ser positivo, mas você não quer acreditar ou admitir isso. Admita, aceite que isso não é normal e nem saudável para que você possa então se livrar ou escapar dessa teia psicológica negativa.
Seja firme. Não hesite. Não volte atrás. Não caía nesse abismo da inconsciência. Não fique para saber se é um transtorno de personalidade ou não. Você não precisa e nem deve ser submeter a isso para “curar" ninguém. Você nem tem esse poder de curar o outro. Não insista. Não há solução. Preserve a sua autoestima e o seu bem estar emocional. Ao menor sinal de controle, codependência e obsessão, vá embora.
Quando adolescente, no auge dos amores platônicos li muito essa frase, mas foi depois de um relacionamento tóxico e abusivo que entendi verdadeiramente seu significado: "perca o amor da sua vida, mas não perca a sua vida por um amor".
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