O Perigo do Conformismo
- giovannadelcarlo
- 11 de nov. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2023
Desde a mais tenra idade, somos ensinados sobre a existência de regras e a importância de respeitá-las. Na infância, aprendemos a guardar os brinquedos depois dos momentos de lazer; na adolescência, a honrar pai e mãe, e na fase adulta, as leis seriam um bom exemplo.
Isso não é novidade, as regras são necessárias para que se tenha uma sociedade minimamente estável. Apesar disso, o caos tem os seus benefícios, afinal, sem ele não seria possível existir a ordem. Os excessos, sejam eles quais forem, são sempre venenosos. Assim como a completa ausência de normas não seria benéfica aos seres humanos enquanto comunidade, uma quantidade absurda de diretrizes, que impede um mínimo de autonomia e independência, pode ser tão negativa quanto.
Embora algumas pessoas ainda insistam em burlar regras, ou preguem que são totalmente ruins, e, apesar de vermos indivíduos desrespeitosos todos os dias, existe, por outro lado, um grupo de pessoas que nada questiona e aceita tudo pacificamente.
Uma frase interessante ilustra bem o intuito desse questionamento: "Mulheres comportadas raramente fazem história", de Laurel Thatcher Ulrich (AMAZON, 2021). Ela se aplica muito bem às mulheres sim, principalmente em um passado não tão distante em que eram consideradas meras propriedades de seus pais e depois de seus maridos, quando casadas. A palavra do homem era a final, e uma mulher não podia sequer pensar em contestá-lo. Felizmente, o mundo tem evoluído (ainda que precise evoluir mais), e esse cenário mudou um pouco. Contudo, só mudou pelo chamado "caos" que as mulheres, ao longo da história, provocaram, ao se rebelarem contra essas regras (talvez, seja mais apropriado chamá-las de imposições). Afinal, se hoje temos um diálogo um pouco mais igualitário com os homens (embora na maioria das vezes ainda não seja justamente igualitário), foi pela revolta dessas mulheres, ditas, não comportadas.
Só que a discussão aqui não se trata de gênero, tampouco é o objetivo. Na realidade, levantar essa frase se volta mais para a necessidade de posicionamento, quando necessário, por parte de todos os seres humanos. E isso pode ser bem difícil para alguns deles.
Os indivíduos conformistas, em uma visão micro, caso não saibam estabelecer o próprios limites, têm grandes chances de se tornarem reprimidos e com baixa autoestima. Talvez, essas pessoas nem se julguem assim, mas se sintam assim, o que é bem pior. Sinal de que elas reprimem isso também.
Regras e mais regras, sem um propósito ou uma logicidade, desde a juventude, podem transformar jovens em adultos frustrados e dependentes. Imagina o baque ao se notar como um adulto que não sabe tomar decisões, pois elas sempre foram impostas, ou induzidas e prontamente acatadas? Talvez, pela tentativa sobre-humana de se evitar um conflito, ou pela falta de coragem dessas pessoas em dizer um sonoro NÃO!
Em uma visão macro, isso é um baita prejuízo para a sociedade de maneira geral. Pois se a maioria de nós fosse assim, nunca evoluiríamos, não teríamos feitos sequer as descobertas que fizemos.
Não teríamos Charles Darwin como o pai da Teoria da Evolução, se em sua juventude ele não tivesse decidido pela Biologia, enquanto seus pais esperavam (e desejavam) que seu filho fosse um membro do clero (VAIANO, 2018). Não foi tão diferente com Marie Curie. Na Polônia de 1891 não existia espaço para as mulheres nas universidades. Se Curie não optasse por frequentar as aulas às escondidas (VAIANO, 2018), talvez, até hoje, não saberíamos sobre os benefícios do Rádio (Ra) (e não é o de pilha, hein?). Se Galileu Galilei tivesse se conformado com o pensamento teocêntrico da era medieval, o que seria da ciência moderna? Ou mais, se não tivesse discordado de Aristóteles sobre a queda dos corpos, e feito seus novos experimentos, não teria chegado à conclusão de que: "dois corpos, quando abandonados de uma mesma altura e ao mesmo tempo, chegarão ao solo juntos independentemente de seus pesos" (LIMA, 2001).
É muito mais cômodo e confortável deixar que as pessoas tomem decisões por nós, mas isso é extremamente perigoso. Chega-se quase que a um ponto de despersonalização. Não fazer suas escolhas, unicamente suas, abre precedentes para que as pessoas esperem sempre sua benevolência e se revoltem quando são surpreendidas com o contrário. Pior, abre espaço para que elas tenham permissão para viver a sua vida. E permitir isso, ao contrário do que possa parecer, é fazer uma escolha, é tomar uma decisão. Mesmo porque, independente do que aconteça, essa permissão será sempre uma atitude sua.
A gota d'água é se, ou quando, essas pessoas cruzam com indivíduos manipuladores. Aliás, segundo especialistas, como psicólogos ou psiquiatras, os psicopatas (propriamente ditos, no sentido científico, e não naquele conceito banal utilizado atualmente) procuram indivíduos justamente com essa personalidade conformista. Aqueles que possuem esse transtorno de personalidade são altamente controladores e sedutores, (embora nem todos os manipuladores sejam psicopatas), assim, é muito comum buscarem pessoas que caiam facilmente nas suas histórias e que sejam extremamente permissivas.
Sabe aquela coisa de: "Ah, isso me incomodou profundamente, mas deixa para lá, né? Melhor não dizer nada.". Ao longo do tempo, essa pessoa vai perceber que era muito melhor ter dito. O medo do conflito com o outro e seu consequente evitamento criam um conflito interno muito mais doloroso e prolongado, o que certamente interferirá em todas as relações desse indivíduo. É criar uma prisão interna cômoda, mas cheia de "poréns", em que a liberdade de se mostrar e se apresentar como se realmente é, parece demasiadamente arriscada.
Isso não é um convite a ser totalmente reativo, aquele que nunca se satisfaz com o que vem do outro, só com o que vem de si. Essa crítica ao excesso de passividade dos conformistas está longe de ser uma carta branca para o egocentrismo, a própria personificação do orgulho exagerado. É aprender a não se culpar por não fazer as coisas que os outros esperam que se faça. Afinal, a expectativa era alheia e não própria. Assim como, às vezes, também esperamos, equivocadamente, muito de outrem. É entender que antes de aceitar o que vem do outro, precisamos aceitar o que vem da gente. É normalizar o "apesar de": Apesar de amar 'fulano', eu não quero, e não preciso, fazer o que 'fulano' quer que eu faça. Ainda que 'fulano seja um grande amigo ou um membro família. É, acima de tudo, compreender que dizer sempre sim para os outros e sempre não para si é ser gentil com todos, menos consigo.
REFERÊNCIAS
VAIANO, Bruno. O que esses três cientistas estavam fazendo quando tinham a sua idade? Super Interessante. [S.l.], 17 out. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/ciencia/o-que-esses-tres-cientistas-estavam-fazendo-quando-tinham-a-sua-idade/>. Acesso em 05 nov. 2021.
LIMA, Sandro. Galileu Galilei e o nascimento da Ciência Moderna. Porto Alegre, 26 nov. 2001. Disponível em: <https://www.if.ufrgs.br/tex/edu02220/sem012/po5/po5.html>. Acesso em: 05 nov. 2021.
AMAZON. As mulheres bem-comportadas raramente fazem história. Biografias e Histórias Reais.[S.l.], 05 nov. 2021. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/mulheres-bem-comportadas-raramente-fazem-hist%C3%B3ria/dp/B002GJU1W0>. Acesso em: 05 nov. 2021.
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